- E aí Gigante ? Bão ou não ?
- Bão.
- Vê uma ficha, uma pinga e um torresmo.
- Uma gilete também ?
- Pra que vou querer gilete Gigante ?
- Pra depilar o torresmo uai.
Continuou gargalhando enquanto servia o café melado de tanto açúcar.
O Zeca sorvia o café já acendendo um cigarro.
Cumprimentavam-se assim há mais de dez anos, desde que o Gigante resolvera transformar a garagem da casa em botequim.
O comodo era apertado, quase um corredor, metro e meio, se tanto, da porta até a geladeira, antiga, moradia de cervejas, refrigerantes e salsichas, que quando promovidas a tira-gosto, iam guarnecer a bandeja da estufa que reinava soberana sobre o tampo do móvel.
Na parede de trás uma pia onde uma dúzia de copos aguardavam para servir os clientes, e em um dos lados duas prateleiras de madeira, presas com mãos francesas, com o estoque de cachaça.
Zeca procurou assunto, futebol, o noticiário de ontem, fez piada com o cabelo descolorido do Patrão, o sem-que-fazer do bairro que também espairecia por ali, mas era inevitável.
Gigante deu um jeito de trazer Dora para a conversa, seu assunto único e inesgotável.
Uma vez Dora fez isto, outra vez aquilo.
Dora ralhando, Dora dengando. Gigante adorava a esposa.
Quando parou de falar para tomar folego Patrão deu de maldar.
- Cadê Dora Gigante ? Não tenho visto.
- Passando uns dias com a mãe, volta logo.
Patrão trocou um olhar com Zeca, uma risada silenciosa brincando na boca.
Zeca fez que não viu.
Era amigo de infância de Gigante, cresceram juntos no bairro, inseparáveis.
Nunca tiveram segredos, até o dia em que Gigante chegou contando que conhecera uma moça e tinha se apaixonado. Tinham o mesmo gosto. Zeca guardou a paixão e ouvia sofrido as confidências do amigo. Após o casamento chegou a se mudar para Valadares, a saudade o trouxe de volta dois anos depois. Guardou distância mas quando ocorreu o acidente foi de novo o velho companheiro.
Invejara o amigo pelo amor de Dora, agora, que não tinha mais Dora, invejava aquela loucura mansa que a fazia presente.
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