Woodstock e a copa de 70 já eram história, mas BH ainda era a capital da Tradicional Família Mineira e do sossego.
As moças só nos beijavam no escondido dos jardins, mas podíamos atravessar a cidade de ponta a ponta na madrugada sabendo que o maior risco era não encontrar tira-gosto nos botecos.
Foi nesta época que conheci a Claudinha.
Com seus dezessete anos era a mais jovem, e a única menina, numa turma que descobria as dores e alegrias de disputar uma vaga de engenharia na UFMG. As provas iam acontecer nas arquibancadas do Mineirão e as respostas, que deveriam ser registradas com marcas, a lápis 2B, em um cartão "Hollerith Mark Sense", seriam nossa passagem para o céu ou para o inferno.
A disputa era uma guerra, uma interminável aula de cálculo.
Claudinha era a hora do recreio.
Pernas compridas, longos cabelos claros com aquela franja que não se usa mais enfeitando um rosto bonito, de traços finos, com um sorriso incansável em uma boca de dentes pequenos e muito separados. Dizia que nascera com menos dentes que as pessoas normais. Ninguém nunca duvidou.
Sentava-se sempre na mesma carteira.
Os lugares em volta não tinham dono certo, eram ocupados por quem chegasse primeiro.
Os marmanjos buscavam a proximidade não pela oportunidade de conversar mas disputando o privilégio de serem portadores em primeira mão da notícia mais aguardada do dia, a cor das calcinhas da Claudinha, que invariavelmente se revelava fosse pelos modos estouvados fosse por artes da sempre presente mini-saia.
Faladeira, gostava de contar histórias e sempre sacava um assunto inesperado.
Se mudara para BH para estudar e morava sozinha com o irmão - sem os pais !!! - imagina o assanhamento da rapaziada.
Um dia no boteco explicava a delícia que era um doce de macarrão (eca !) quando ao ver um desenho que eu rabiscara na capa da apostila não conteve o espanto.
- Mas como que você sabe ?
- Como eu sei o que Claudinha ?
- Que os seios da gente não são iguais, um é maior que o outro ?
Bati a cinza do cigarro e empurrei o desenho - um tronco feminino com uma cabeça de flor - para o cento da mesa. Não precisava dizer mais nada. Fiquei saboreando a glória de ter a minha expertise na anatomia feminina confirmada em público pela maior autoridade da turma.
Não estudei engenharia e nunca mais vi Claudinha.
Uma vez me disseram que tinha aberto uma pousada em Floripa.
Ano passado ouvi que tinha voltado para o Maranhão casada com um senador.
Também não soube de mais ninguém que houvesse elogiado meu profundo conhecimento do corpo e da alma das mulheres.
Nenhum comentário:
Postar um comentário