As pequenas férias tiveram o dom de recarregar suas baterias e deixa-la nova em folha para outro período de trabalho intenso. Uma semana maravilhosa passada com o namorado em Frankfurt colocando o amor em dia fora seguida por uma rápida visita ao pai em Brussels e depois um tempinho fazendo nada, em casa, em Paris.
Cumprimentou os colegas e foi se inteirando das novidades ao mesmo tempo em que percorria o checklist no tablet. Estudara literatura mas sabe-se lá porque acabara na aviação. Gostava da profissão, que estava prestes a deixar, com a aposentadoria programada para o final do ano.
Esforçou-se em dar atenção especial a Ana que animada com a chegada ao topo da carreira fazia sua estréia na equipe.
Lembrou-se da sua primeira viagem, aos 23 anos, de Paris a Marseille. Hoje, quase vinte anos e quatro casamentos depois, era a comissária chefe no voo da Air France que fazia a rota Paris New York e ainda sentia a boca seca ao efetuar os procedimentos de preparação para decolagem. Estavam lhe oferecendo um serviço em terra mas já tinha decidido que não ia aceitar, gostava de voar.
Riu de uma piada velha e embarcou.
Ao receber os passageiros reconheceu vários rostos, tinha a memória fotográfica clássica, habilidade conhecida apenas por poucos amigos.
Com duas horas de voo recolheu a edição do dia do Le Figaro que escorregara para o chão junto a uma fileira vazia. Antes mesmo de voltar com o jornal para o encosto da poltrona sentiu o incomodo provocado pelo resultado instantâneo das sinapses conectando os fatos.
Todos aqueles rostos tinham sido companheiros em outra viagem, muito recente.
Durante as férias, a despedida demorada em Frankfurt fizera com perdesse a hora, mas suas boas relações tinham lhe conseguido uma poltrona em um voo para Freetown com escala em Brussel.
Ficou se perguntando já sabendo a resposta. Qual a chance de vinte pessoas jovens, que aparentemente não se conheciam, pois não se sentavam juntos nem mantinham nenhuma comunicação, e que há alguns dias iam da Alemanha para a Libéria estarem agora novamente reunidas, voando para New York ?
A matéria do Le Figaro sobre o aumento do número de vitimas do Ebola vinha logo abaixo da foto do bombardeio de uma refinaria ocupada pelo ISIS.
Não houve como convencer o comandante de que ele não estava diante de uma louca surtada e precisando, de fato, se aposentar. Foi delicadamente dispensada de continuar exercendo suas atribuições. Entendeu a decisão, um tripulante desequilibrado era um risco inaceitável, e fingiu não perceber a discreta vigilância que passou a receber.
Usou o celular para entrar em contato, pela intranet, com um velho amigo que trabalhava na área de segurança da da empresa. Foram mais duas horas tensas até receber a resposta: devia ser mesmo coincidência, quase todos eram americanos, mas se pudesse encaminhar fotos elas seriam de grande ajuda.
Já estavam se aproximando do continente quando veio a mensagem confirmando a boa notícia, era mesmo um alarme falso: Washington tinha investigado, completasse a viagem tranquila.
Permitiu-se uma taça de champagne, já sabia que não ia esperar o fim do ano para deixar de voar.
Minutos depois, em Halifax, o controlador de voo esfregou o olho e chamou o companheiro.
O pontinho brilhante que representava o AF12 tinha sumido da tela.
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