sábado, 30 de maio de 2020

A pedra mágica

O mundo acontece na tv e eu vou me perdendo entre séries e notícias, crises e sorrisos até não saber mais o que é real, o que é desejo e o que é o medo.
A sensação de impotência é um monstro aterrador, sussurrando o tempo todo minha absoluta incapacidade de intervir no que acontece alem do umbral de minha porta.
E vou vendo na realidade da telinha que não moro mais no mundo que conheci.

O mundo mudou. Atlanta não é mais a terra da Coca Cola, é a casa da CNN que mostra os carros sendo queimados na porta da sua sede, a Casa Branca cercada por manifestantes em Washington,  a multidão resgatando o manifestante preso pela polícia em Los Angeles.
E todo mundo usando as máscaras anti-covid.

Não é apenas a pandemia. Algo se quebrou no arcabouço da sociedade.

A multidão que marcha em Minneapolis dizendo que todas as vidas importam e que não há paz sem justiça é a mesma que marchou nas avenidas do Brasil avisando que não ia ter copa, que abriu guarda-chuvas em Hong Kong, que em Paris, hoje veste coletes amarelos e talvez seja a mesma, que em 1968, retirou-lhe todas as pedras das calçadas.

Não é o protesto de uma classe social, de uma tribo, é o protesto dos inconformados com a organização social. Protesto que se espalha por toda a parte. Porque seus valores são universais.
Em Minneapolis o casal com o cartaz indagando "Vou ser o próximo ?", poderia estar na Mangueira, no Alemão em Paraisópolis...

O pós-pandemia me apavora.
Quantos Messias poderão surgir ?
Quantos pastores pregarão pela vitoria final de Israel, que tem que se cumprir, antes do Armagedon ?

Meu coração resiliente tenta encobrir com a nuvem da esperança as distopias desenhadas.
Outro dia minha neta mais nova disse que dormia na cama dos pais porque na caminha dela aparecia um fantasma que a pegava pelo braço e a prendia numa caverna.
Ganhou uma pedra mágica que espanta fantasmas.

Nana, Cleo, Gus, Luan ...
Não sei se consigo afastar todos os medos de meus netos.
Quero muito que consigam criar os próprios netos com a certeza de que eles também criarão os deles, neste, ou em qualquer outro canto do universo.

Um certo John Lennon, que viveu há muito tempo, sabia como espantar o monstro que assustava seu filho. Escuto ele cantar para ver se encontro uma pedra mágica.




domingo, 10 de maio de 2020

Netflix

A lua, enorme, de um laranja quase dourado, muito acima das montanhas, enche minha janela e revela o contorno da copa das arvores da mata, balançadas suavemente pelo vento frio de maio.

Lá em baixo o barulho de vidros quebrados quando as garrafas descartadas no lixo são tragadas pelo caminhão enche a rua deserta.

Sinto falta do riso do menino do prédio da frente, a idade regulando com a do Gus meu neto, que fez-se amigo dos lixeiros e os cumprimenta com festa toda noite.
Eles também parecem sentir sua ausência. Não se insultam nem fazem troças. Quando falam é sobre o trabalho.

Reparo nas arvores, enfileiradas, compenetradas, pelo porte companheiras de há muito tempo.
Quanto não viram desde o alto deste morro. A casa da fazenda ficando vazia. As muitas irmãs derrubadas para que se erguessem as casas do Cidade Nova. O bosque de eucaliptos, plantado e consumido para que se rasgasse avenida e fossem construídos prédios do governo. Viram o fogo de queimadas e a água de chuvas torrenciais.

Ao ruído da prensa mecânica soma-se o do veículo posto em movimento, manobrando e seguindo seu percurso em direção ao fim da rua. Vou acompanhando o desfile barulhento até a curva à esquerda que o engole e me devolve às arvores. Todas em pé, noite a dentro.

Companheiras, como eu e DN, que viajamos por esta vida.
Tanto já vimos e vivemos. Dias bons e não tão bons.
Tanto nos conhecemos e tanto ainda nos descobrimos, nos reencontrando a cada manhã.

- Vem ver ! Achei um filme legal.

Volto para a sala em silêncio.
Vou ver o filme.
Vou ver DN.





sábado, 9 de maio de 2020

O som da juventude

Não gosto de funk.
Acho a melodia pobre, as letras chulas e mal arranjadas.
Sera que algum dia ainda vou deixar de achar tosco e inculto ?
Nunca se sabe.
Acho os funkeiros uns tipos esquisitos.
Enaltecem o crime organizado ?
Não gosto de funk.

Meu pai não gostava de rock !
Uma música barulhenta, tosca, mal feita. Letras paupérrimas.
Muito menos de rockeiros.
Transgressores, uma Juventude Transviada.
Os muito velhos vão se lembrar do filme.
Péssimo exemplo este James Dean, e este Elvis então ?!!!

Eu nem ligava e minha mãe me acobertava.
Me comprou a camisa de malha vermelha, onde homem usa esta cor meu Deus ?
E lá fui pra vida metido em calças Lee, camisa vermelha e botas de salto mexicano.
Assistir o Luiz Carlos tirar no violão aquele som criado pelo capeta no inferno.
Ouvir do lado de fora a vitrola na casa do Bilão que entre boleros e sambas  tocava também o rock.

O rock de Little Richard.

Depois vieram Beatles e Rolling Stones.
Mas isto é outra história.
Ou será a mesma ?

Desce até o chão Anita !
Quebra tudo Ludmila !


ah whop bop a loom ah whop a lop bam boom !






quinta-feira, 7 de maio de 2020

Respostas

Ricardo não é de postar muito coisa no grupo.
Outro dia postou que entende o Lima que entende o Flávio.
Eu entendo o Ricardo.

Também entendo que além do desalento devem ser procuradas respostas.
O como, o quando os porquês do acontecido.
Aconteceu aqui, ali, em todo lugar.
Na Bolívia, na Hungria, na Itália, na Inglaterra...
Aconteceu na América !!!

A resposta que vem da prateleira embrulha o globalismo com o desejo de bem estar da parcela da população impossibilitada de consumir, tudo amarrado pela revolução tecnológica .
Aqui cabe o parenteses constatando que o consumo envenenou o planeta.

A conspiração de direita é fática, mas como triunfou ?
Como não percebemos a transformação ? O que não foi visto ?
Me parece uma questão filosófica, comportamental.
Não tenho ferramentas, muito menos competencia para me arriscar neste campo.
Não sei as respostas, nem mesmo as perguntas corretas.
Mas sei que é importante estudar esta inflexão, com o espírito desarmado, sem certezas e sem culpas.

Já faz uns bons 10.000 anos que a gente tenta sobreviver nesta rocha perdida no espaço.
Já inventamos a roda, a escrita, a bomba atomica, a internet, um monte de seitas e o suco de tangerina.
Tem gente que acredita que inventamos Deus.

A gente é cada um, mas cada um faz parte do todo.
E quando caminhamos para um lado ou para outro, quem caminha não é só o um, é o todo.

Nossa História é assim, construída aos pouquinhos, dependendo do ponto de vista cada instante pode ser um avanço ou um recuo.
Mas ainda estamos aqui, os vivos e os mortos.
Porque nenhuma vida, nenhum trabalho, é em vão.
Cada vida, cada trabalho é uma parte do Hoje que vai sendo construído.

Nossa geração conhece agora uma face cruel da natureza, mas não somos os primeiros, nem seremos os últimos a ter que seguir em frente depois de uma decepção.

Sobreviver, contribuir com o que pudermos, é nosso compromisso com a espécie.
Descobrir respostas é um bom primeiro passo.




segunda-feira, 4 de maio de 2020

O antes e o depois

Aqui no Brasil entre os legados que serão deixados pela pandemia um dos menos perceptíveis mas que vai esculpir o caráter desta geração é a consciência da morte.

Não da morte dos outros, que a gente antecipa, acompanha, assiste, e a depender de quem seja o outro, vela e enluta. Mas a consciência da morte da gente mesmo, esta coisa fugidia que a gente sabe que vem mas acredita que pode não vir.  

Claro que pensamos na nossa morte, alguns até fazemos seguros e adquirimos jazigos. 
Mas a consciência física da finitude, aquela que os soldados encontram na véspera da batalha, desta quase sempre fugimos. A situação de não existência fica guardada em um baú lá no fundo da alma.   

A pandemia abre as trancas e expõe com crueza a nossa natureza de água e carbono. 
A realidade da morte se exibe, visível à luz do dia, ou das estrelas a depender das horas. 
E ela, a consciência da nossa morte, se materializa na forma de uma lente que nos faz perceber quão insignificante é nossa vida frente a extensão do universo, ao mesmo tempo que, se olharmos com atenção, descobrirmos também o milagre que somos, simplesmente por existir.

O pós-pandemia vai ser muito diferente, no mundo inteiro, mas para nós brasileiros, que não conhecemos as grandes guerras, vai trazer também um novo olhar para a vida e para o fim da vida.

Escultura O Pensador: interpretação e análise da obra de Rodin ...

Cores

Domingos pedem cachimbo, mesmo que não se fume.
Domingos, são para descansar, sarar o corpo e a alma.

Meus domingos já foram de missa e catecismo.
De brincadeiras no parque municipal.
De tardes em frente a TV, esperando Roberto Carlos.

Já foram de Mineirão, enlouquecendo com o Galo.
Foram ao lado da namorada, tentando entender a vida.
Foram de trabalho extra para poder ganhar a vida.

Gosto muito dos Domingos !

Ah que saudade dos Domingos !

Domingos já não tem mais.
Em meio a pandemia, agora são quase dispépticos.
Eles foram sequestrados por uma agenda aloprada que busca plantar o caos.

No dia em que os militares são convocados a detonar a democracia
me pego a imaginar qual seria a resposta de nossos tenentes
quando indagados sobre as cores de nossa bandeira.

Verde, amarelo, azul e branco, espero que seja esta.

Não imagino listras vermelhas na bandeira do Brasil.