terça-feira, 30 de setembro de 2014

By appointment to her majesty the Queen





e no final ? o amor que você teve é igual ao amor que você fez ?





Sobreviventes

Nascemos para sobreviver.
É nosso destino.
Existir.
Um instante que seja.
E neste, e em cada momento,
todo o universo vai habitar nossa alma.
E quando buscarmos entende-la,
vamos conhecer que somos, cada um, a soma de todos.
Portadores do dom de ser, e cientes da própria ciência.

Sendo deste tamanho, tão grande,
e dotados de tanto poder,
não temos alternativa,
a não ser sobreviver.

Para habitar a terra e as estrelas,
dominar os rios e os mares,
mensurar as singularidades,
esticar o espaço tempo,
criar a vida,
gerar outros universos,
entender o amor.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Vermelho 13 ?

Na roleta o 13 é preto, mas nesta eleição pode ficar com outra cor.

Chegando à reta final Dilma e o PT tentam um sprint para decidir a parada já no primeiro turno.
Não vou me espantar se nos próximos dias acordar com a divulgação de notícias bombásticas, verdadeiras ou não, "descontruindo" Aécio.

O caso do aeroporto de Montezuma foi uma fofoquinha de comadre e, depois de quatro anos se preparando para enfrentar o tucano, é impossível que a campanha de Dilma não tenha acusação mais forte. A munição deve estar bem guardada e vai ser utilizada quando o adversário não tiver condição prática de se defender. É provável que a denúncia mais pesada, a bala de prata, seja utilizada somente num possível segundo turno, ou talvez nunca, pois sempre haverá, espera-se, outras eleições.

Ataques contra Marina o PT, provavelmente, vai deixar por conta do PSDB.

Nenhuma denúncia, verdadeira ou não, vai conseguir abalar a posição de Dilma e este é o drama de seus adversários, para vence-la vão ter que mostrar suas próprias qualidades e, ao final, encantar metade mais um dos eleitores.

Indo para o segundo turno, com mais tempo de TV, talvez a fada da floresta possa virar o jogo novamente, mas parece que mais que o excesso de pragmatismo programático, uma sensação de desalento e de descrença no sonho vai cobrando seu preço. Os marineiros não estão batendo palmas e todo mundo sabe que sem ouvir as palmas, as fadas morrem.

Um segundo turno contra Aécio, se acontecer, vai ser diferente do que foi planejado há seis meses em ambas as campanhas. Se Aécio chegar, vai ser com força, com a moral de quem superou uma enorme adversidade,  só que quarenta por cento de preferência popular é um mundão de votos.
Como imagino que Marina vai repetir 2010 e não vá apoiar ninguém, a tarefa de Dilma vai ser conquistar pouco menos da metade dos marineiros para se eleger. Aécio depende de um milagre de marketing que convença o eleitor de sua competência como possível Presidente.

O que me preocupa numa cada vez mais provável vitória de Dilma é a fatura que lhe vai ser cobrada pelos radicais de esquerda.
O descaminho econômico talvez seja corrigido com um choque de pragmatismo aplicado por Lula, já a democracia representativa ...
Não acredito que em 2015 tenhamos um Stedile Ministro da Reforma Agrária, até porque imagino que ele prefira não integrar um governo burguês,  mas é líquido e certo que o acesso a verbas e convênios por parte dos "movimentos sociais" vai ter um incremento substancial e o acirramento das tensões vai se dar com o consentimento do Planalto.

A roleta esta girando, a bolinha vai pulando, Deus abençoe o Brasil.
Já ia me esquecendo, na roleta não tem 40 nem 45 ,,,




quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Pecado Capital

- E aí Gigante ? Bão ou não ?
- Bão.
- Vê uma ficha, uma pinga e um torresmo.
- Uma gilete também ?
- Pra que vou querer gilete Gigante ?
- Pra depilar o torresmo uai.
Continuou gargalhando enquanto servia o café melado de tanto açúcar.
O Zeca sorvia o café já acendendo um cigarro.
Cumprimentavam-se assim há mais de dez anos, desde que o Gigante resolvera transformar a garagem da casa em botequim.
O comodo era apertado, quase um corredor, metro e meio, se tanto, da porta até a geladeira, antiga, moradia de cervejas, refrigerantes e salsichas, que quando promovidas a tira-gosto, iam guarnecer a bandeja da estufa que reinava soberana sobre o tampo do móvel.
Na parede de trás uma pia onde uma dúzia de copos aguardavam para servir os clientes, e em um dos lados duas prateleiras de madeira, presas com mãos francesas, com o estoque de cachaça.
Zeca procurou assunto, futebol, o noticiário de ontem, fez piada com o cabelo descolorido do Patrão, o sem-que-fazer do bairro que também espairecia por ali, mas era inevitável.
Gigante deu um jeito de trazer Dora para a conversa, seu assunto único e inesgotável.
Uma vez Dora fez isto, outra vez aquilo.
Dora ralhando, Dora dengando. Gigante adorava a esposa.
Quando parou de falar para tomar folego Patrão deu de maldar.
- Cadê Dora Gigante ? Não tenho visto.
- Passando uns dias com a mãe, volta logo.
Patrão trocou um olhar com Zeca, uma risada silenciosa brincando na boca.
Zeca fez que não viu.
Era amigo de infância de Gigante, cresceram juntos no bairro, inseparáveis.
Nunca tiveram segredos, até o dia em que Gigante chegou contando que conhecera uma moça e tinha se apaixonado. Tinham o mesmo gosto. Zeca guardou a paixão e ouvia sofrido as confidências do amigo. Após o casamento chegou a se mudar para Valadares,  a saudade o trouxe de volta dois anos depois. Guardou distância mas quando ocorreu o acidente foi de novo o velho companheiro.
Invejara  o amigo pelo amor de Dora, agora, que não tinha mais Dora, invejava aquela loucura mansa que a fazia presente.


terça-feira, 23 de setembro de 2014

Segunda Feira

Amanhã iria acordar às seis,
pra fazer uma caminhada,
ziguezagueando entre as árvores,
até lá longe, no trevo, da estrada de Sabará.
Na volta ia entrar na matinha e seguir pela trilha da esquerda,
sair pelo portão dos fundos e descer até o parque.
Tomar uma água de coco, gelada,
sentado na arquibancada do anfiteatro vazio,
e aproveitar bem o sol, até o dia acabar.

Melhor acordar às oito,
descer para a academia e fazer meia hora de esteira,
um monte de alongamentos e todas as séries devidas.
Na volta, passar pela padaria, quem sabe também na feira,
visitar o jornaleiro e terminar no boteco,
pra falar mal dos políticos,
contratar Messi pro Galo e espiar moças bonitas.
Encostar uma cadeira no freezer
e ficar fazendo nada, até o dia acabar.

Talvez acordar às dez,
e depois do terceiro bocejo,
dar uma olhada no Face e carga no celular.
Ligar a televisão sem saber o que assistir.
Se esparramar no sofá, folhear dois ou três livros
e não escolher nenhum.
Escancarar a janela
pra olhar as nuvens passando
e levando o tempo com elas.
Ah ! Bem provável que se canse,
e volte de novo a dormir, até o dia acabar.

Amanhã vai ser diferente.

Hoje acordou às sete.
Tomou banho e se vestiu.
Comeu frutas picadinhas, temperadas com iogurte.
Caminhou uns dez minutos até o ponto do ônibus.
Esperou mais outro tanto, até poder embarcar.
Se acomodou, em pé, junto à porta.
Vai seguindo pro trabalho,
lá longe em Belo Horizonte.


domingo, 21 de setembro de 2014

Tacale pau Galo Véio !

Foi minha prima Monica que achou a frase resumo do dia.
O dia em que o Galo mandou avisar que esta chegando.
Lembrou a todos que o Mineirão é nosso salão para ocasiões especiais
... e que já ganhamos foi de 9 x 2 !!!

Tacale pau Galo Véio !

Desassossego

Vinha com o amarrado de cipó na mão esquerda e trazia o facão na direita.
Parou ao lado dos trilhos.
Quase invisíveis sob a vegetação, seguiam para o desconhecido.
Deitou a carga no chão, ajoelhou-se devagar e aproximou o ouvido da viga.
Deu com o dorso do facão e ficou ouvindo o tinir de aço com aço viajar até o fim do mundo.
Era um barulho diferente do grito da sumaúma quando ele batia nas sapopembas com as mãos espalmadas.
O tuc-tuc grave das águas no interior das raízes ocas da mãe do mundo soava como uma chegança, uma saudação da mata para seus habitantes.
O tuin zunido do trilho era uma coisa que ele não conseguia decifrar, deixava o peito apertado e a cabeça embaralhada.

Desconfiava que iam dar na cidade. Queria muito conhecer. Não podia. A mãe tinha jurado.
Por causa desta cisma, uma vez, quando era mais moço, voltara pra traz depois de caminhar mais de dia beirando a linha. Sentiu que era aviso o pontilhão destruído numa garganta do rio.
Enxergou o brilho dos trilhos se esticando na outra margem e fechou os olhos.
A mãe não ia gostar. Nunca mais seguira aquele rumo.

Levantou-se e procurou a sumaúma. Contornou o roçadinho de mandioca e foi beirando o rio até chegar na quedinha  d`água. Pediu licença a árvore e retirou com cuidado um talho de casca.
Encontrou a mãe perto do fogo, rasgando e amassando as folhas que chegavam até o meio do pote de barro. Botou no chão o amarado de cipó e a casca da sumaúma.

Saiu sem rumo, sentindo a umidade da mata tomar conta de seu corpo.
Sentiu uma tristeza nova.
Não deu por si deitando-se sobre os dormentes e apoiando os braços sobre os trilhos, as mãos segurando o aço. A noite o encontrou ainda imóvel. Tentando comungar com o desconhecido.
Cismando.
Queria muito conhecer a cidade.
Quem sabe a mãe não esquecia a jura ?
Ela agora esquecia tanta coisa.
A lua subiu e ele bateu com os indicadores sobre os trilhos.
Não ouviu nenhum som.
Continuou esperando.
Imóvel.


sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Hora do Recreio

Woodstock e a copa de 70 já eram história, mas BH ainda era a capital da Tradicional Família Mineira e do sossego.
As moças só nos beijavam no escondido dos jardins, mas podíamos atravessar a cidade de ponta a ponta na madrugada sabendo que o maior risco era não encontrar tira-gosto nos botecos.
Foi nesta época que conheci a Claudinha.
Com seus dezessete anos era a mais jovem, e a única menina, numa turma que descobria as dores e alegrias de disputar uma vaga de engenharia na UFMG. As provas iam acontecer nas arquibancadas do Mineirão e as respostas, que deveriam ser registradas com marcas, a lápis 2B, em um cartão "Hollerith Mark Sense", seriam nossa passagem para o céu ou para o inferno.
A disputa era uma guerra, uma interminável aula de cálculo.
Claudinha era a hora do recreio.
Pernas compridas, longos cabelos claros com aquela franja que não se usa mais enfeitando um rosto bonito, de traços finos, com um sorriso incansável em uma boca de dentes pequenos e muito separados. Dizia que nascera com menos dentes que as pessoas normais. Ninguém nunca duvidou.
Sentava-se sempre na mesma carteira.
Os lugares em volta não tinham dono certo, eram ocupados por quem chegasse primeiro.
Os marmanjos buscavam a proximidade não pela oportunidade de conversar mas disputando o privilégio de serem portadores em primeira mão da notícia mais aguardada do dia, a cor das calcinhas da Claudinha, que invariavelmente se revelava fosse pelos modos estouvados fosse por artes da sempre presente mini-saia.
Faladeira, gostava de contar histórias e sempre sacava um assunto inesperado.
Se mudara para BH para estudar e morava sozinha com o irmão - sem os pais !!! - imagina o assanhamento da rapaziada.
Um dia no boteco explicava a delícia que era um doce de macarrão (eca !) quando ao ver um desenho que eu rabiscara na capa da apostila não conteve o espanto.
- Mas como que você sabe ?
- Como eu sei o que Claudinha ?
- Que os seios da gente não são iguais, um é maior que o outro ?
Bati a cinza do cigarro e empurrei o desenho - um tronco feminino com uma cabeça de flor - para o cento da mesa. Não precisava dizer mais nada. Fiquei saboreando a glória de ter a minha expertise na anatomia feminina confirmada em público pela maior autoridade da turma.
Não estudei engenharia e nunca mais vi Claudinha.
Uma vez me disseram que tinha aberto uma pousada em Floripa.
Ano passado ouvi que tinha voltado para o Maranhão casada com um senador.
Também não soube de mais ninguém que houvesse elogiado meu profundo conhecimento do corpo e da alma das mulheres.


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Moinhos de Vento

Se julgava mais inteligente que as outras pessoas. Talvez fosse. 
Tivesse nascido duas decadas depois seria um maluco desbundado, com cabelos compridos e talvez até uma barba.
Se buscasse modelos de heroísmo é provável que os encontrasse nos combatentes do Al Fatah.
Calhando de viver nos idos dos 40 usava cabelos curtos e barba escanhoada, e sua vida loca era tida apenas como desregrada.
Percorreu estradas por sua conta e risco e conheceu muitos segredos que o mundo só revela aos caminhantes.
Sonhou com a glória de ser piloto da Luftwafe e escarneceu da sociedade tatuando no braço o nome da amada, coisa de marujo e de gente baixa da estiva.
Um dia, quase por acaso, perdeu-se e prendeu-se em uns versos de Kipling, da mesma forma que ocorreu com dom Alonso Quixano quando apresentado aos livros de cavalaria. 
Enlouqueceu para sempre. 
Viveu e morreu como se fosse o personagem do poema. 
Seguia o código de honra que deduziu das rimas.
Orgulhoso de si mesmo, fidelíssimo aos amigos, sem nenhum apego aos bens materiais, perdia fortunas nas mesas de jogo para provar ser capaz de refaze-las.
Um cavaleiro medieval que não devia satisfação de seus atos a ninguém a não ser a sua própria consciência.
Quase no final de sua jornada fez um dos filhos repetir-lhe o poema.
Talvez como um legado, talvez apenas para se certificar, ouvindo as palavras novamente, de ter vivido a vida certa.
Poemas escondem lá no fundo a poderosa magia primeva da criação da realidade.
Ouviu com atenção mais uma vez.


Se

Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao redor já a perdeu e te culpa;

De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para estes no entanto achar desculpa;

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,

Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretencioso;

Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires;
De sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores;

Se encontrando a Derrota e o Triunfo conseguires
tratar da mesma forma a esses dois impostores;

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste;

E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa só parada
Tudo quando ganhaste em toda a tua vida;

E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado tornar ao ponto de partida;

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.

E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.

E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.

Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!


Rudyard Kipling (tradução de Guilherme de Almeida)

Aye

Apesar de todo nosso esforço para separar os tempos em anos redondos a História teima em colocar seus marcos seguindo outra lógica, e 2014 vai ficando cada vez mais com a cara de abre alas que o novo chegou.

Em meio ao furor nacionalista que toma o mundo, a Europa se redesenhar a leste não foi nenhuma novidade, de certa forma era até esperado, pois a mãe Russia sempre foi muito zelosa de seus filhos.
A surpresa me vem da Grã Bretanha. Acordar amanhã com uma Escócia independente não estava no radar de ninguém que não fosse, ele próprio, escocês.  Claro que já estamos acostumados a ver a turma se dividir em quatro países para disputar a copa do mundo mas vai ser muito estranho a Union Jack sem a camada azul.

Os Beatles, Mary Quant, Mary Poppins, James Bond, Lady Di, ingleses, galeses, escoceses, de certa forma até mesmo os irlandeses, o pop inteiro, a vida toda, sempre vieram embrulhados naquela bandeira de cruz e xis em vermelho azul e branco sinônimo de moda descolada.

Papa Chico já considera que vivemos a terceira guerra mundial.
Quem sou eu para contradize-lo.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Planejamento Estratégico

Ia empurrando o sol com as solas dos pezinhos descalços embalado pelos arrulhos que a mãe, novata no ramo, trocava com outro ser que ele via com alguma frequência.
Não poder se comunicar com muita fluência com ela era mesmo um incomodo, ainda mais depois de ter visto  no "Manual de Adaptação ao Mundo Externo" que ela talvez levasse até dois anos para entender direitinho o que ele falava.
Na verdade mamãe estava se admirando, pela enésima vez,  de quanta novidade estava experimentando desde que soubera da grande novidade.
Se ele pudesse participar da conversa iam ver quem exatamente estava experimentando novidades.
Dificuldades de comunicação à parte, naquele instante ele se divertia mexendo os dedinhos que ficavam coçando gostoso com aquela luz quentinha.
Vida boa esta minha. Bem que me falaram.
Mordia o bico com gosto quando sentiu a modificação no eixo de equilíbrio do carrinho e executou os procedimentos de segurança  jogando a cabeça para traz e apoiando as mãos no colchãozinho. Nem pensou em reclamar, se parassem iam puxar a fralda que cobria o toldo mais pra baixo e ele não ia poder enxergar aquelas coisas coloridas que já via no próximo jardim. Era corajoso e se sabia habilidoso. Mesmo preparado, quando sobreveio o tranco deixou o bico cair da boca.
Aí foi demais, deu uma bronca usando as frases que sabia que seriam muito bem entendidas e achou, garanto que indevidamente, ter esperado mais tempo do que deveria até chegar o socorro.
Bico de volta na boca, atendido e paparicado planejou um futuro perfeito.
Quando eu aprender a andar e já for bem grande, acho que quando eu tiver três anos.
Ih! Mas três anos é taaaaaaaanto tempo!
Mas quando eu tiver três anos, acho que vou fazer um tantão de coisa legal.
Atravessar a rua sozinho.
Andar na garupa do Au-Au.
Mexer em todos os botões da TV.
Abrir todas as gavetas.
Ah quando eu tiver três  anos!
Procurou no manual o que fazer quando chegar aos três anos.
Estava na última página, no último capítulo.
Nunca tinha lido, faltava taaanto tempo!
"Você fez três anos. Agora é com você rapaz. Aprende a fazer um plano de voo e segue viagem. Em dúvida consulte a mamãe."
".


sábado, 13 de setembro de 2014

Escolhas

Se dependesse de mim,
   estava morando em Papeete, fins de semana em Bora-Bora e férias em Paris.
Se dependesse de mim,
     Cerezzo e Márcio Paulada nunca errariam penaltis.
Se dependesse de mim,
        John Lennon tomava outro ácido e não ia à exposição de Yoko.
Se dependesse de mim,
          tres motores do Enola Gay iam falhar e o avião pousar no mar.
Se dependesse de mim,
              no Brasil tinha Copa todo ano e uma superlua por mês.
Se dependesse de mim,
       nas padarias sempre haveria pão quente e, em nossas geladeiras, cerveja e refrigerante.
Se dependesse de mim,
          todo mundo beijava na boca e ficava junto pra sempre, ou enquanto estivesse bom.
Se dependesse de mim,
            tinha praia todo dia e festa de gala à noite.
Se dependesse de mim,
 e eu pudesse escolher,
   escolhia ser eu mesmo, deste jeitinho que eu sou,
      sabendo que sou o Deus deste meu próprio universo
 e que poderia escolher
   de novo, da mesma forma,
     DN pra ser meu par,
       agora e para sempre
           Amém !

         

Chico das Artes

Chico era um menino danado.
Vivia fazendo arte.
Quando cresceu deu pra sumir.
Cadê Chico ?
Tá em Rondônia no meio dos garimpos.
Voltava com a cara limpa de quem tinha ido na esquina.
Cadê Chico ?
Tá em Brasília trabalhando com jornal.
Escrevendo jornal ?
Não desenhando as capas.
Chico ia casar.
Fomos a Brasília levar o Chico ao altar.
Chegamos, nós e Chico, duas horas depois do combinado.
Todo mundo achou que ele tinha sumido.
Chegou com a cara mais lambida deste mundo.
Coisa de Chico.
Chico sumiu de novo.
Desta vez levou Maria, João e Tomaz.
Cadê Chico ?
Tá em Barcelona trabalhando com jornal.
Desenhando capa ?
Não, fazendo jornal mesmo.
Coisa de Chico.
Outro dia Chico voltou.
Continua fazendo arte.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Encontros e desencontros

Já fazia tanto tempo que ele nem se lembrava mais de quando tinha desistido das outras pessoas. Vivia em seu próprio universo. Não se dava com amigos ou vizinhos. Da casa para a repartição onde passava as manhãs e o princípio das tardes acomodado na mesa da sala dos fundos, lendo o Diário Oficial em meio às prateleiras vazias do que fora o arquivo geral. Com a implantação do sistema de computador as fichas haviam sido há muito digitalizadas mas a burocracia se esquecera de transferi-lo de função. Tinha gostado. Passava dias sem trocar palavra com ninguém. 
Os colegas já habituados àquela figura arredia só se admiravam com a discrepância entre sua aparência e o cargo ocupado. De boa figura, sempre impecavelmente vestido num estilo "casual" devia ser pessoa de boa situação econômica. O chefe que conhecia o parco valor dos proventos se mordia para descobrir de onde viriam os recursos do funcionário. Nada de muito misterioso. Tinha herdado alguns apartamentos de aluguel do pai, além daquele em que morava. Amplo, num bairro bom. Em casa, ouvia Mozart e montava miniaturas de automóveis. Nada queria da vida. Não tinha queixas nem desejos. Apenas vivia. Como uma pedra no leito do rio ou um arbusto no jardim. Nem mesmo com mulheres se envolvia. As vizinhas solteiras que tentaram se insinuar foram repelidas por uma indiferença delicada que rendeu-lhe no condomínio a fama de ser de masculinidade duvidosa. Pouco se lhe dava o que diziam dele.
Hoje, como de costume, bateu o ponto na hora exata e saiu em busca do ônibus. Começava a cair uma chuvinha fina. Não mudou o ritmo da caminhada. Seguiu distraído, apreciando o frescor que tomara a tarde quente. 
Chegando ao abrigo tropeçou num sorriso que, perdido, precisava saber a melhor opção para chegar à Savassi. Tome o 43. As palavras foram brotando, a princípio devagar, tímidas, para logo jorrar numa fluência nunca vista. E o sorriso as vezes se transformava em uma gargalhada e de novo voltava a ser sorriso. Ele nunca foi tão feliz. Olhe é o seu ônibus, o 52. Obrigada
Ao subir os degraus fotografou no coração a imagem do sorriso. Uma moça loura de cabelos curtos, talhe delgado, pernas perfeitas, vestida com um tailleur de linho azul e usando um fio de perolas no pescoço.
Tentou descer mas o ônibus já tinha virado à direita na esquina aproveitando o sinal aberto. Coração na boca, viveu uma vida até poder saltar no ponto seguinte, duas quadras à frente. Voltou correndo já debaixo de uma chuva forte. Chegou na esquina a tempo de ver o 43 cortando a rua e seguindo pela avenida. Levantou o braço num esforço inútil para deter o veículo. Sentiu a boca amargar. Ficou olhando a moça do cartaz publicitário da traseira do ônibus ir diminuindo até sumir por completo numa curva à esquerda.
Dois colegas de repartição pararam no sinal mas não lhe dirigiram a palavra. Sujeito estranho, tomando chuva do lado do abrigo.
Caminhou até o abrigo. 
O sorriso se surpreendeu: Uai! Você voltou? O 43 passou direto.





quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Sumaúma

Os poucos dentes que lhe restavam trincharam o naco de peixe. As mandíbulas de barranqueiro separaram com habilidade a carne das espinhas, atiradas para o canto da boca e cuspidas no chão batido.
Levantou-se da rede e observou a mãe remexendo no braseiro.
Ela estava com jeito de que ia fazer beiju.
Saiu para a beira do rio e foi sentar-se debaixo da sumaúma, mais velha que os homens na terra.
Gostava de matutar naquele lugar ouvindo o baque da água que fazia a curva se espremendo entre as pedras do morrinho antes de se espalhar com força no terreno mais baixo.
Pensou na mãe fazendo beiju.
A vista dela não prestava mais para a pesca, e ela gostava de pescar. Ele agora preparava os anzóis. Toma mãe, isquei prôce.
A mãe andava calada. Não contava mais nem a história do rei que ele gostava de ouvir.
O rei que mandava em tudo e morava no Rio de Janeiro.
A avó da mãe tinha contado pra ela quando moravam na cidade.
Foi uma festa muito grande quando ele visitou o povo.
Bandeirolas, banda de música e missa.
A mãe lembrava de tudo só se atrapalhava com o nome do rei, tinha vez que era Doutor Getúlio, tinha vez que era Dom Pedro II.
Queria ter conhecido a cidade. Só conhecia o rio e a mata.
A mãe dizia que a banda de música era uma coisa muito linda.
Tinha medo quando a mãe ficava calada.
Viu a sombra do dourado riscando o rio.
Esqueceu da cisma. Foi jogar anzol.





Horário Eleitoral

Minha intuição anda afiada.
Não acreditava que a candidatura do PT seria afetada pelas denuncias do fim de semana.
Apostava mais no PSB sendo puxado para o mesmo lamaçal.
Neste momento o jogo empatou.
Quem puder mais vai chorar menos.
E niguém se esqueça que a chance do retrato do velho voltar para a parede  em 2015 existe.
Se for a melhor estratégia para a vitória nem ele, nem Dilma, nem o PT irão vacilar.
E aí ? Será que a marchinha de Chico Alves vai tocar na rádio de novo ?
Ah estas eleições ! Cheias de emoção !

Yodle Azul

Permaneci imóvel, mãos nos bolsos do casaco, admirando o esmalte estranho, cor de chicletes de tutti-frutti, menos nas unhas do meio, que eram brancas.  Os polegares digitavam com habilidade o teclado virtual do celular.
Quando percebeu minha presença levantou os olhos e após um instante sorriu e quis saber se podia ajudar.
Não, infelizmente não havia um yodle azul. Algum outro produto ?
Decepcionado, deixei meus olhos percorrerem as prateleiras até me fixar em um objeto alaranjado.
Me aproximei um pouco, o bastante para observa-lo melhor mas, sem deixar a entender que teria me interessado em alguma coisa. Não estava para conversa. A precaução foi desnecessária. A moça já tinha retornado ao chat interrompido.
Era a sexta ou sétima loja, o quarto shopping. Não sabia mais aonde ir.
Tentei apressar o passo pelos corredores cheios driblando a multidão que se arrastava sem compromissos, devagar, quase parando.
Meu Deus ! Eu precisava daquele yodle. Tinha lido tanto a respeito, me recomendaram tanto.
Ele mudava a vida das pessoas. Fazia desaparecer o medo e o desamor. Iluminava a alma e os sonhos.
Algo como o primeiro amor ou o advento dos netos.
Desisti do metrô, percorri o longo trajeto da passarela até o outro lado da avenida e me joguei num táxi. Saltei alguns quarteirões antes de casa e caminhei até a padaria,  lembrei-me que DN tinha me encarregado de providenciar o lanche da tarde.
Quando entrei em casa, já a encontrei lendo na sala, de volta de uma visita a uma amiga.
Deve ter me notado abatido. Rodeou a conversa.
Você esta bem ? Demorou. Saiu sem o celular. Olha, trouxe uma coisa pra casa. Ganhei de uma pessoa que conheci. Venha ver.
Fui ver.DN tem o dom de me deixar feliz.
Vai que era um yodle azul. DN é cheia de surpresas.

domingo, 7 de setembro de 2014

A saúva e o Brasil

"Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil", foi a conclusão a que chegou o botânico francês August de Saint-Hilaire que nos visitou no início do século XIX.

As saúvas e o Brasil continuam coexistindo. 

Manchetes dos jornais de hoje anunciam um novo escândalo político financeiro.

Quem não sabia que a PETROBRAS estava aparelhada e era usada para apoiar a política partidária?
Pobre Brasil, a safadeza é tanta que o que espanta é a naturalidade com que recebemos a transformação em notícia do que era boato.

Isto me dói muito, porque acredito que a aceitação de uma transgressão pela sociedade é o primeiro passo para descriminaliza-la e repactuar os limites do aceitável. Não podemos esquecer que a glamorização e legalização social do jogo do bicho pelos cariocas foi o que permitiu o surgimento dos donos de morro e o estabelecimento dos territórios controlados por facções.

A leitura da cronica especializada faz crer que novidade aparentemente não é o assalto ao dinheiro público mas o volume que foi surrupiado.

Tenho o sentimento de que todos, ou quase todos, os políticos desviam dinheiro público e que nenhuma quantia seja suficiente para sacia-los. Acredito também que o produto do butim não seja usado, como justificam quando apanhados, para custear o partido ou campanhas e sim para exercerem e, como é dito hoje em dia, "ostentarem", seu poder.

O tamanho do desvio depende da tecnologia e dos operadores disponíveis. No Estado Novo já se roubava, e muito, dos Institutos de Previdência. De Ademar a Maluf, Barbalho e Collor a arte de assaltar a Viúva só fez se aperfeiçoar. Neste novo século Marcos Valério, Youssef e Paulo Roberto Costa adicionaram requintes de sofisticação e uma impressionante melhoria na produtividade do negócio. 

Corre a história de que Paulo Roberto resolveu fazer o acordo de delação para não pagar o pato sozinho, com 40 anos de prisão, como aconteceu com Marcos Valério. Bobagem, o STF já foi desidratado. O negão já foi demonizado e devidamente aposentado. 

No jogo de xadrez existem situações em que para preparar um xeque-mate precisamos sacrificar uma peça, às vezes até mesmo a rainha. 

Com Aécio amargando um humilhante terceiro lugar em Minas e sendo Lula inimputável, ouso pensar, com os botões de minha camisa, e apenas com eles, que o alvo do vazamento da notícia pode não ter sido o PT mas o PSB de Marina. 

Sacrificar Vaccarezza, Vaccari Neto, e outros aliados num pacote acrescido de símbolos odiados pelo eleitor como Renan, Jucá e Lobão como forma de desmoralizar a "nova política" e virar o jogo eleitoral não seria uma estratégia impossível, além de ser - e isto é que é incrível - de baixo risco, porque a corrupção do PT já foi absorvida pelo eleitor. Quem vota no PT vota em Zé Dirceu e no Delúbio.

Os botões de minha camisa acham que sou meio paranoico. Divergimos assim desde que lhes confidenciei que ao contrário do que apregoa o PT, a maior parte da imprensa é sim, sua aliada. O mantra da necessidade de controle social da mídia seria uma tática para pressionar a publicação das versões que lhe interessam e para ampliar a repercussão do noticiário que possa lhe ser favorável.

Não sei se dando razão aos botões de minha camisa acabo concordando com Luciana Genro, e também não vejo muita diferença entre Dilma, Aécio e Marina. A política econômica vai ser a mesma com qualquer um deles. A equipe de governo provavelmente vai ter o nível muito melhorado, mesmo que vença Dilma.

Preocupa-me apenas a possibilidade cada vez mais real de bolivarização do estado.
E isto não se discute na campanha. Os políticos sempre acham que nós, o povo, não entendemos nada de política. 

A proposta de criação dos soviets por decreto, defendida com vigor por Dilma e não descartada por Marina é uma ameaça real à nossa já adolescente democracia representativa, aquela, que segundo Winston Churchill, é mesmo um regime ruim, mas ainda é o melhor que tá tendo.

O decreto pode ser rejeitado pelo Congresso ou pode ser aprovado e não dar em nada, afinal o Brasil é o paraíso das leis que não colam. Mas também pode ser a enzima catalisadora utilizada para exacerbar as lutas de classe que vem sendo fomentadas pela esquerda aloprada nos últimos doze anos.

Quem viver verá. 

Coragem galera, se nem as saúvas acabaram com o Brasil não vai ser a roubalheira e a impunidade que irão conseguir.


A propósito, o candidato que mais me agrada como pessoa é Eduardo Jorge, pela honestidade e franqueza com que apresenta suas idéias.  


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Passeio Noturno

Foi um alívio descer do ônibus lotado e me afastando do ruído ensurdecedor do tráfego da avenida entrar no super-mercado.
Me chamou atenção a moça franzina e parda que tagarelava com seus colegas de frente de loja esperando o fim do expediente. Muito parecida com uma atriz famosa, até a voz tinha o mesmo timbre.
Enquanto avançava pelas gôndolas da loja quase vazia - eita que o comércio anda fraco - fazia força para me lembrar do nome. Branco total. Tentei todos os truques de associação para vasculhar a memória, lista das atrizes da Globo, lista de filmes nacionais, lista das moças negras e pardas. Nada.
Antes de sair pela porta dos fundos ainda escutei a moça dengando com um colega. Para ! Você quer é por a mão em mim. Era mesmo um clone de atriz a danada
Mergulhei no conhecido tabuleiro de ruas largas e mal iluminadas e, àquela hora abraçadas por um surpreendente silêncio. Muito diferente do cenário esfuziante que sempre me encanta à luz do dia.
Alma leve, seguia sem encontrar outros companheiros pelo caminho. Não passavam carros, nem preocupações. Às vezes ouvia o clec de uma fava terminando a viajem do galho das árvores até o asfalto.
Talvez por ter feito a lista de filmes e estar me sentindo feliz me lembrei foi da Bete Faria em "Nasce uma Estrela" cantando Lupiscínio e pedindo apenas a ilusão do amor. Afinal, talvez o segredo da felicidade seja simplesmente o se sentir feliz, e nisto não há ilusão porque é o que você sente de verdade.
Filósofo de botequim, cachaceiro aposentado abri a porta de casa com um sorriso.
Isabel Filardis ! Empreguete ! Mulher do Foguinho !
Eita memória boa a minha.


terça-feira, 2 de setembro de 2014

A física do amor

Eu olhava para o o botão de rosa mas só enxergava seus dedos crispados apertando a alça da bolsa enquanto ela se levantava da mesa.
Não vi a direção que tomou.
Ela continuava sentada, ouvindo com os olhos luminosos a oferta da flor e a revelação de minha epifania.
Ela nascera para me tornar feliz.
Nossas almas são uma confusão quântica.
Não vês ? Por mais que nos afastemos sempre estaremos juntos.
Passei o resto da tarde explicando.
Ela calada, às vezes fazia um movimento de cabeça que eu tomava como concordância.
O garçom desistiu de me oferecer mais um café e ficou feliz quando paguei a quantia exata.
Ela me acompanhava em silêncio.
Deve ter esboçado um sorriso que me distraiu.
Ouvi uma buzina e o barulho de freios.
Não conseguia enxerga-la.
Mas foi só por um instante.
Afinal nossas almas formam mesmo uma confusão quântica.