domingo, 10 de maio de 2020

Netflix

A lua, enorme, de um laranja quase dourado, muito acima das montanhas, enche minha janela e revela o contorno da copa das arvores da mata, balançadas suavemente pelo vento frio de maio.

Lá em baixo o barulho de vidros quebrados quando as garrafas descartadas no lixo são tragadas pelo caminhão enche a rua deserta.

Sinto falta do riso do menino do prédio da frente, a idade regulando com a do Gus meu neto, que fez-se amigo dos lixeiros e os cumprimenta com festa toda noite.
Eles também parecem sentir sua ausência. Não se insultam nem fazem troças. Quando falam é sobre o trabalho.

Reparo nas arvores, enfileiradas, compenetradas, pelo porte companheiras de há muito tempo.
Quanto não viram desde o alto deste morro. A casa da fazenda ficando vazia. As muitas irmãs derrubadas para que se erguessem as casas do Cidade Nova. O bosque de eucaliptos, plantado e consumido para que se rasgasse avenida e fossem construídos prédios do governo. Viram o fogo de queimadas e a água de chuvas torrenciais.

Ao ruído da prensa mecânica soma-se o do veículo posto em movimento, manobrando e seguindo seu percurso em direção ao fim da rua. Vou acompanhando o desfile barulhento até a curva à esquerda que o engole e me devolve às arvores. Todas em pé, noite a dentro.

Companheiras, como eu e DN, que viajamos por esta vida.
Tanto já vimos e vivemos. Dias bons e não tão bons.
Tanto nos conhecemos e tanto ainda nos descobrimos, nos reencontrando a cada manhã.

- Vem ver ! Achei um filme legal.

Volto para a sala em silêncio.
Vou ver o filme.
Vou ver DN.





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